quinta-feira, 29 de março de 2012

POEMA DESENHADO

Mario Quintana


No meio da página escrevo por acaso a palavra MENINA
e, à sua magia, um caminho abre-se
para ela andar

E como houvesse brotado a seus pés um arroio espiador,
uma ponte estendeu-se
para ela atravessar

Mas a menina
agora parou
e do meio da ponte namora encantadamente nas águas
a graça inacabada de seu pequenino rosto feito às pressas

Às pressas...
(nem tive tempo de lhe dar um nome)

A vida é assim
Meninazinha sem nome...

A vida nem da tempo para a Vida!

VENDAVAL

Fernando Pessoa




Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!


Indômita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que há em mim!


Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê;
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
É o visto o que vê.


Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles - teu pulso divida
Minh'alma do mundo!


Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
De eu ter que pensar!


Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que não entras no meu pensamento
Para ele morrer?


Horror de ser sempre com vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, ó vento; do chão da existência,
De ser um lugar!


E, pela alta noite que fazes mais escura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.


E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!


Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!


quarta-feira, 28 de março de 2012

DO UNIVERSO À JABUTICABA

Rubem Alves



Minha vida se divide em três fases.
Na primeira, meu mundo era do tamanho do universo
E era habitado por deuses, verdadeiros e absolutos.
Na segunda fase meu mundo encolheu,
ficou mais modesto e passou a ser habitado
por heróis revolucionários que portavam armas
e cantavam canções de transformar o mundo.
Na terceira fase, mortos os deuses,
mortos os heróis, mortas as verdades e os absolutos,
meu mundo se encolheu ainda mais
e chegou não à sua verdade final
mas a sua beleza final:
ficou belo e efêmero como uma jabuticabeira florida.


terça-feira, 27 de março de 2012

VERDADEIRO AMOR

José Bezerra




Verdadeiro amor que se tem na vida
Só existe um é o da nossa mãe querida
Mãe é o grande tesouro cheio de sublimação
O segundo nazareno na historia do perdão

Se o seu filho for na vida um homem de projeção
Sua mãe sente o orgulho deste grande cidadão
E se for um transviado que não tem reputação
Sua mãe lhe abraça e beija com o mesmo coração.